"Crimes em Timor foram feitos nas barbas da ONU"

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Que balanço faz da sua primeira visita oficial a Portugal?

Com Portugal, as relações têm sido tão boas que é difícil encontrar outras fórmulas para melhorar a cooperação. Por isso, queremos envolver outras instituições para consolidar tudo o que temos vindo a fazer. Esta visita serviu para infor- mar as autoridades portuguesas da evolução da situação em Timor- -Leste e, também, para atrair investidores portugueses. Alguns deles já lá estão desde o período pós-conflito, como é o caso da Caixa Geral de Depósitos, mas há outros que ainda não entraram.

Após estes contactos, ficou clara esta sensação de que estão interessados?

Não é só sensação. Fiquei com a certeza de que estão interessados em investir em Timor-Leste.

Em que sectores?

Os mais variados. Não discuti- mos só o petróleo, pois não queremos ter uma economia dominada por aquele.

Nas conversações que manteve com as autoridades portuguesas fez um balanço destes três anos de independência. Está satisfeito com os resultados?

Fizemos um balanço e esclarecemos algumas situações. Todos conhecem as preocupações geradas com os acontecimentos em que uma certa hierarquia da Igreja liderou uma manifestação contra mim.

Após a crise, o acordo conseguido foi bom para ambas as partes?

Há dois anos coloquei a possibilidade de criar um mecanismo de consulta entre o Estado, o Governo e as instituições religiosas. Julgo que agora temos esse mecanismo. Mas a grande conclusão passa por verificar que temos um povo culto em termos políticos pois soube, melhor do que muitas lideranças, separar o que é do Estado e o que é da fé.

Ao expressar na Declaração Conjunta que aborto e prostituição deverão ser considerados crimes, não terá cedido às pressões da Igreja timorense?

Esses assuntos tocam todos os cidadãos. Estamos a falar de cidadania e de democracia participativa. O facto de a declaração ter dado um tratamento a estas questões não significa que o Governo tenha competência para tratar essa matéria.

Mas ao assumir uma posição como essa, acabou por dar uma orientação ao Parlamento em Díli...

Esta foi a posição da declaração política, mas não é a lei. Ela pode é iniciar um debate para depois o Parlamento decidir sobre isso.

Timor-Leste tem uma taxa muito elevada de mortalidade infantil. Como é que o Governo combate este fenómeno?

Todas estas questões tocam em áreas como saúde materna, infantil e pré-natal. Mas é na educação e na prevenção que devem ser encontradas as respostas. Temos feito isso. Os resultados não são muito visíveis, mas a mortalidade infantil diminuiu. O índice de vacinação contra vários tipos de doença também cresceu - entre 75 e 80%. Temos também um índice de crescimento populacional grande entre 3,5 e 4%, que é superior ao crescimento económico. Só a partir do momento em que o acesso à saúde for alargado, as pessoas poderão ganhar maior consciência para questões de planeamento familiar ou de controlo de natalidade.

Para isso precisará do apoio da Igreja?

Absolutamente. Nós temos uma cooperação com a Igreja na área da saúde e da educação bastante grande. O Governo financia com um orçamento volumoso as suas actividades nestes dois sectores.

Não está prevista uma Concordata?

A Concordata não é da competência da Igreja timorense, mas do Estado do Vaticano. Como país católico justifica-se perfeitamente uma Concordata com o Vaticano. Só que as concordatas levam anos a ser negociadas.

E as negociações já começaram?

Estamos a fazer um estudo comparativo. Há mais de 40 concordatas e precisamos estudar qual a mais adequada à nossa realidade.

Referiu que após o reforço das instituições do Estado, o país está pronto para uma nova fase. Por onde começar, tendo em conta a pobreza, a crise na agricultura ou o desemprego elevado?

Preocupo-me sobretudo com a pobreza. Porque as questões das doenças ou da mortalidade infantil têm como base a pobreza. O nosso plano de desenvolvimento nacional debruça-se no crescimento económico e no combate à pobreza. Às vezes, são duas faces da mesma moeda. Ao reduzir a pobreza estamos a elevar a qualidade de vida.

Já encontrou um caminho para sair da crise na justiça?

Nos últimos cinco anos perdemos muito tempo nessa área, não só por nossa culpa mas sobretudo da ONU, que trouxe para o país os conflitos externos. Além disso, levou um certo tempo a definir qual a língua a aplicar, embora a nossa opção tenha sido sempre o português. Felizmente conseguimos introduzi-la, mas tivemos de avaliar os juízes que estavam a exercer funções como procuradores ou defensores públicos. Mas é preciso um rigor mínimo e, acontece, que ninguém passou nas provas. A solução encontrada é criar um curso de Direito de dois anos e meio para formar os nossos profissionais. Enquanto decorrer essa formação há profissionais de outros países que estão a exercer estas funções, principalmente dos PALOP. E é assim que temporariamente vamos credibilizar o nosso sistema de justiça.

As Nações Unidas temem que as testemunhas de crimes cometidos em 1999 sejam alvo de retaliações. Isto porque o mandato da Unidade de Crimes graves terminou, passando a investigação para Timor, e, portanto, haverá o risco de aqueles documentos caírem nas mãos da Comissão de Verdade e de Amizade, que tem elementos designados pelo Governo de Timor e da Indonésia.

A ONU deveria assumir esta responsabilidade e não querer transferi-la para nós, tanto mais que os crimes foram praticados nas suas barbas. Porque é que querem transferir todo o peso para Timor-Leste? Isso não aconteceu na Bósnia ou no Ruanda. Foram os tribunais internacionais a julgar os crimes cometidos contra a humanidade.

A existência da Comissão de Verdade serviu ao Governo indonésio como pretexto para defender junto da ONU que não seria necessário criar um tribunal internacional.

É necessário saber é se há ou não vontade política da ONU para criar um tribunal internacional. Essa função não pode ser transferi- da nem para o Governo indonésio nem para o timorense.

O facto é que a Comissão de Verdade foi o motivo invocado pela Indonésia para resistir à tentativa da ONU em criar um tribunal internacional.

E qual é o país que aceitou a criação de um tribunal para julgar os seus cidadãos? Nenhum. Porque é que tem de ser diferente na Indonésia?

A ONU procurou potenciar o papel das mulheres. Isso teve continuidade no vosso Governo?

Se olharmos para o Parlamento, 28% é constituído por mulheres. No Governo, a representação feminina é significativa. Além disso, pe-la primeira vez foram eleitas mulheres para chefes de suco. Há também chefes de aldeias que são mulheres. Estamos no início de um processo que levará o seu tempo. Mas não aprendemos isso com as Nações Unidas. É uma convicção nossa que vem desde os tempos da luta.

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